São sempre milhares e milhares de entusiastas e faça sol, ou faça chuva, nunca desistem de marcar presença na última prova da temporada de todo terreno. Durante 24 horas, vive-se a magia de Fronteira numa corrida única. E o que se passa na pista é apenas o pretexto para uma “romaria” até esta vila alentejana. Quem ganha e quem perde, não é importante para os espectadores. Porque importante mesmo, é o ambiente que se cria em redor do circuito. Através dos campos, não é pelo ruído dos motores que se percebe onde passa a corrida. É pelo cheiro da lenha a arder e da carne a assar sobre as brasas. E brinda-se a tudo e a nada, para depois o ruído dos motores embalar no sono, quando o cansaço já é mais forte que a sede..
Há pilotos que passam o ano inteiro à espera do fim de Novembro, para irem participar nas 24 Horas Todo Terreno Vila de Fronteira. Para uns, é a festa de final da temporada, onde aproveitam para se libertar da tensão das outras corridas. A ideia é até juntar a bordo, nos sucessivos turnos de condução, outros pilotos, adversários ou simples amigos. E mesmo os apoiantes têm aqui uma oportunidade de trocar de papel, de patrocinadores a patrocinados. Há também aqueles para quem a prova organizada pelo Automóvel Club de Portugal é a única em que correm.
A corrida é um pretexto para um convívio invulgar
Pilotos, mecânicos, observadores e espectadores são atraídos a Fronteira, para as já famosas 24 Horas Todo Terreno, por um motivo comum: o convívio invulgar que se gera durante todo o fim-de-semana. O mais curioso é que num prova tradicionalmente agendada para o final de Novembro, sempre se esperam condições atmosféricas adversas. Foi o caso registado nesta 22ª edição. As informações da meteorologia apontavam para o risco de chuva em Fronteira a partir das 14h00 e as previsões não falharam: quando a corrida começou, já a chuva se abatia sobre toda a região.
A primeira volta foi já à chuva, com o piso escorregadio a provocar um bailado de derrapagens, deliciando aqueles que viram o arranque na zona da partida. Porque dos que estavam espalhados pelo campo, milhares e milhares de pessoas, repetimos, só os mais corajosos sairam dos seus abrigos.
Esses e os menos esfomeados, porque era hora do almoço e que mais víamos pelos acampamentos dispostos ao longo do circuito, eram grelhas dispostas sobre as brasas das fogueiras. Isso nos acampamentos mais simples, porque alguns mais “sofisticados” tinham trazido verdadeiros fogões a gás, onde cozinharam grandes panelões. Feijoada e Cozido à Portuguesa pareceram-nos os pratos de eleição. Até ficámos a salivar só de ver um destes cozidos a ser degustado numa extensa mesa corrida, abrigada sobre um toldo enorme. Eram umas dezenas de comensais e nenhum deles se apercebeu que a corrida tinha arrancado naquele momento. Estavam demasiado absorvidos no almoço. E nos brindes que se repetiam quase que à cadencia das garfadas…
Seis equipas repartiram a liderança por nove vezes
Desportivamente, ninguém pode dizer que a corrida não tenha sido movimentada. Em 24 horas, a equipa mais rápida conseguiu percorrer 101 voltas ao traçado de 15,9 quilómetros. Alexandre Andrade e os seus pares venceram pela sexta vez, desta vez com um AC Nissan Proto. Estiveram à frente da corrida nas duas primeiras voltas e somente regressaram à liderança a meio da prova, então já determinados a distanciarem-se e a consolidar a vitória. Verdadeiros especialistas nestas maratonas, a família Andrade chegou a dispor de quatro voltas de avanço, o que lhes conferiu margem para as paragens. E para manterem o AC Nissan Proto sempre impecável até ao final.
Vitória conseguida por 32 quilómetros de avanço
Não fosse o facto de competir com licença francesa, apesar da dupla nacionalidade, poderíamos dizer que a vitória foi portuguesa. Mas, na verdade, não foi mesmo. Foi à grande e à francesa: o carro de Alexandre Andrade esteve à frente durante 47 das 101 voltas que completou em 24 horas!
O mais forte adversário dos vencedores foi o Mini All-4 Racing inscrito pelo Team X-Raid para o clã italiano Cinotto, que também esteve na dianteira por duas vezes; comandaram por 31 voltas, mas Michele Cinotto e os seus pares acabaram por festejar o terceiro lugar, a duas voltas dos vencedores. E com quase três minutos de atraso sobre os segundos classificados, o Fouquet Nissan de Gilles Billaut e do próprio construtor do carro, Laurent Fouquet. Curiosamente, a equipa do Fouquet foi a segunda a comandar a corrida, logo à terceira volta; mas apenas estiveram na dianteira durante sete voltas. Foram batidos pelo único português que realmente comandou: Ricardo Porém!
Ricardo Porém foi o único português a comandar
De facto, ao comandar por dois momentos distintos, Ricardo Porém foi o único portugês que esteve à frente da corrida. O piloto de Leiria partilhou o volante de um MMP Evo com mais um quarteto, entre os quais se distinguiu Nani Roma. Ascendeu ao primeiro lugar logo na décima volta e à 15ª foi ultrapassado pelo BMC do italiano Paolo Bacchela, mas recuperou imediatamente. Todavia, a segunda passagem de Porém pela liderança somente durou mais três voltas. E no final, a equipa cortou a meta com menos 15 voltas que os vencedores, cabendo-lhes a 13ª posição…
Os melhores portugueses, também com um buggy MMP, foram Amândio Alves, Rogério Reis, João Silva e Márcio Reis. O mais incrível é que este quarteto discutiu posições até ao derradeiro metro: concluíu a corrida no sexto posto absoluto, a menos de dois segundos da equipa que os antecedeu!Foi de longa, a diferença mais reduzida que se registou à chegada entre duas equipas. E terminaram classificadas 65 formações! Ora digam lá que não foi uma corrida a valer?
Texto: Alexandre Correia Fotos: Paulo Maria Fotografia/ACP